Nas últimas décadas, os evangélicos investiram uma quantidade colossal de discipulado, ativismo e esforço editorial para promover a “pureza sexual” e uma visão “bíblica” de sexualidade. Apesar disso, um padrão de comportamento marcado por escândalos, abusos e má conduta por parte de homens e líderes masculinos cristãos deixa claro que o movimento em favor da pureza não resolveu o problema da sexualidade doentia na igreja. O movimento #ChurchToo e investigações relacionadas a denominações específicas demonstraram que a “pureza sexual” geralmente é mera fachada que encobre padrões mais profundos de iniquidade.
A crise relacionada a questões como abuso, disfunção e violência sexual na igreja decorre de uma compreensão teologicamente deficiente do que significa ser homem. Especificamente falando, perpetuamos uma visão hipersexualizada de masculinidade. Esses escândalos e padrões de desumanização não infectaram a igreja a despeito desse movimento de pureza, mas de muitas maneiras justamente por causa dele.
É hora de mudar a forma como falamos e pensamos sobre a sexualidade masculina. Essa visão subcristã de masculinidade cria uma cultura na qual os homens podem chafurdar em uma imaturidade sexual contínua. Não deveria nos surpreender o fato de uma teologia desumanizante levar a um comportamento desumanizante — e, consequentemente, pecaminoso.
A igreja está começando a perceber como a cultura da pureza objetifica e desumaniza as mulheres. O que em geral é menos percebido é a maneira que esse movimento também desumanizou os homens. Se a cultura da pureza desumanizou as mulheres, por tratá-las como objetos sexuais, também desumanizou os homens, por transformá-los em animais sexuais. Se essa cultura hipersexualizou os corpos das mulheres, também hipersexualizou as mentes dos homens. Grande parte de nossa retórica e dos nossos recursos adotou o pressuposto dessa cultura de que os homens são inescapável e irremediavelmente hipersexuais, uma crença perpetuada nos seriados de TV e aceita nas “conversas de vestiário”.
Os cristãos com frequência criticam a cultura que os cerca por sua preocupação com sexo e satisfação sexual, mas a igreja não é inocente no que diz respeito a criar seus próprios ídolos sexuais. Ao mesmo tempo em que, por um lado, pregam abstinência e celibato para solteiros e minorias sexuais, alguns pregadores e autores cristãos heterossexuais, por outro lado, celebram gratuitamente as glórias da satisfação sexual (masculina) no casamento heterossexual.
Em uma bizarra reviravolta no evangelho da prosperidade, alguns mestres cristãos argumentaram que seguir o desígnio de Deus para o sexo é o caminho para o que há de melhor em sua vida sexual. As esposas recebem o encargo de estarem mais disponíveis sexualmente para seus maridos, como solução para as lutas deles contra a pornografia. Homens solteiros são informados de que a “provisão” de Deus para seus desejos sexuais fora de controle é o casamento, assim reduzindo um relacionamento de aliança a uma via de escape sexual permissível. Uma vez que a satisfação sexual sutilmente se torna normalizada como legado legítimo dos homens piedosos, certas formas de prerrogativas sexuais masculinas são muito comuns.
A crise da masculinidade nos EUA vai muito além do sexo e da sexualidade (estatísticas revelam crescentes quedas no desempenho educacional, aumento das dificuldades relacionais e românticas, bem como padrões de terrorismo doméstico), embora esses tópicos tenham despontado como uma questão crucial desse diálogo na igreja evangélica, e por um bom motivo.
Vimos garotas serem submetidas a olhares maliciosos de homens décadas mais velhos do que elas. Há os que desculpem o estupro conjugal com base em uma leitura ruim de 1Coríntios 7. Homens e garotos que desejam desesperadamente parar de ver pornografia têm problemas para abandonar o hábito, apesar de seus melhores esforços em prestar contas e memorizar as Escrituras. Clipes de sermões e livros controversos de pastores conhecidos viralizam pelos motivos errados.
Os cristãos devem resistir com vigor à insinuação de que a masculinidade e o fato de “ser homem” são coisas inerentemente tóxicas e desumanizantes. Devemos ir além das críticas e começar a traçar um caminho para modelos positivos e vivificantes de masculinidade. E podemos olhar para Jesus como nosso exemplo.
Primeiro, na Encarnação vemos o caráter bom da masculinidade. Homens e mulheres são ambos criados, reafirmados e abençoados por Deus na criação (Gn 1.26-28), e o próprio Filho de Deus veio à Terra encarnado como homem em um corpo humano. E, embora seja verdade que Jesus é o modelo para a verdadeira humanidade, e não apenas para a verdadeira masculinidade, também é verdade que sua personificação masculina pode e deve ser singularmente instrutiva para os homens, no sentido de como eles pensam e expressam sua sexualidade.
Por exemplo, aprendemos com Jesus que os homens não precisam de uma via de escape sexual para viverem uma vida plena, com domínio próprio e piedosa. Para muitos meninos e rapazes cristãos, alcançar a “verdadeira” masculinidade muitas vezes implica em alguma espécie de conquista sexual batizada — cortejar com sucesso uma esposa e ter filhos. Jesus não fez nenhuma dessas duas coisas. Se nosso roteiro de masculinidade se tornou tão centrado no sexo a ponto de excluir Jesus, talvez ele precise ser revisto.
Jesus também encarna uma visão positiva para relacionamentos não sexuais com mulheres. Como João 4 deixa claro, Jesus não seguiu a regra de Billy Graham. Ele honrou as mulheres com relacionamento e atenção. Nos Evangelhos, Jesus nunca disse uma só palavra sobre roupas femininas incitarem os homens à luxúria. Mas para os homens habituados a erotizar as mulheres, ele disse: Corte fora sua mão e arranque seu olho (Mateus 5.27-30).
Em segundo lugar, a morte e a ressurreição de Cristo inauguram uma nova maneira de ser humano, e isso significa que há uma nova maneira de ser homem. O “velho homem” morreu com Cristo (Romanos 6.6). Em um mundo entregue à carne pecaminosa, com muita frequência ouvimos que “rapazes são assim mesmo“. Mas unidos a Cristo na ressurreição, rapazes podem se tornar homens maduros, piedosos, gentis, com domínio próprio e amorosos.
Quaisquer que sejam as inclinações “naturais” ou culturais que possamos associar ao fato de ser homem, se elas tenderem ao pecado e à desumanização, foram mortas com Jesus na cruz. A morte e a ressurreição de Cristo significam que a masculinidade não precisa ser definida em termos de domínio, força física, desejo hipererótico, proezas sexuais, casamento ou paternidade de filhos biológicos.
O reino de Jesus não nega o fato de que, nos termos da criação, a sexualidade é algo bom, mas sem dúvida a tira do centro. Viver a imitação de Jesus, portanto, nos permite situar o sexo sob o bem maior do florescimento dos outros. E liberta os homens da necessidade de perseguirem uma narrativa cultural que dá destaque a uma performance hipersexualizada para se alcançar a “verdadeira” masculinidade.
Há muitas críticas merecidas que prevalecem no diálogo atual sobre a masculinidade cristã. Mas e se nos deixássemos cativar por uma visão de masculinidade redimida? E se sonhássemos com uma igreja e um mundo onde as mulheres não vivessem com medo dos homens? No reino de Jesus, parafraseando Miqueias 4.4, toda mulher se sentará debaixo da própria figueira, e nenhum homem a deixará com medo.
Mas redimir o que significa ser homem não se resume apenas a proteger as mulheres de danos. Também tem a ver com o contentamento dos homens. Nós realmente acreditamos que a nova vida em Cristo oferece aos homens algo melhor do que os prazeres carnais do sexo? Ousamos esperar que os abusadores e os viciados em sexo, de hoje e de amanhã, possam ser transformados, pelo poder do Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos, em pessoas que contribuirão para a prosperidade da sociedade? Podemos esperar que homens quebrantados encontrem alegria e cresçam em sua capacidade de amar e servir aos outros, assim como Jesus fez?
A expressão “nem todos os homens [são assim]” pode ser uma arma para silenciar sobreviventes de abuso e amenizar problemas e padrões de masculinidade desumanizantes. Ao mesmo tempo, é verdade que muitos homens na igreja já são modelos de um caminho melhor. Uma pesquisa mostra, por exemplo, que os homens que frequentam a igreja foram significativamente menos propensos do que outros homens a terem visto pornografia no ano passado. Muitos homens levam muito a sério as alegações de abuso sexual e não hesitariam em responsabilizar outros homens por esses pecados e crimes. Muitos pais e mentores ensinam os meninos, desde pequenos, a respeitarem e a honrarem os outros como seres sexuais criados à imagem de Deus.
Esses bons exemplos já existem em nossas igrejas e comunidades. Se abrirmos os olhos para ver sua fidelidade silenciosa, ouvir suas histórias, sua sabedoria e aprender com seu amor, talvez possamos ver que o trabalho fatigante da “batalha de todo homem” não é o único roteiro disponível para os homens seguirem.
Podemos ter aspirações maiores para os homens. Podemos sonhar não apenas que eles parem de agir com violência ou de se afundar em um comportamento sexual compulsivo, mas que eles se tornem mais verdadeiramente humanos como defensores da justiça, amigos fiéis, protetores nobres, maridos honrados e amantes altruístas. Ao olharmos para Cristo, o verdadeiro homem, podemos nos tornar novos homens.
Zachary Wagner é diretor editorial do Center for Pastor Theologians e autor de Non - Toxic Masculinity: Recovering Healthy Male Sexuality. Speaking Out é uma coluna de opinião de escritores convidados pela Christianity Today.
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