Enquanto eu fazia musculação em uma academia local, minha atenção foi atraída para a TV pendurada na parede. Apresentadores de notícias que eu não conhecia, de um canal que eu quase nunca assistia, levantaram pontos de discussão que eu não entendia, sobre assuntos dos quais eu estava apenas vagamente ciente. Tenho a sensação de que nem conheço mais o mundo em que estou vivendo, pensei.

Esse sentimento enervante também surge no ministério. Às vezes me pergunto: Será que ainda conheço a congregação que estou pastoreando?

Com toda a polarização política, ressentimentos que ainda persistem sobre como as igrejas lidaram com a exigência de máscaras, pessoas tomando partido em relação à vacinação contra a COVID-19 e questões ligadas a profundas feridas, como tiroteios em massa, aborto ou questões raciais, estamos pastoreando comunidades que vivem em um estado contínuo de elevada tensão. Essas realidades atuais se somam às complicações que nós, pastores, normalmente já enfrentamos, quando pregamos para congregações compostas por pessoas de diferentes gerações, com diferentes visões políticas, origens teológicas e relacionamentos com Jesus (que vão desde cristãos comprometidos a outros que buscam uma espiritualidade e aqueles que contemplam uma desconstrução).

É uma dificuldade pregar pensando em tantas divisões e diferenças. Recentemente, durante a preparação de um sermão, fiquei tão distraído com todas as opiniões e os argumentos do momento, que parecia que eu estava desenvolvendo minha mensagem dentro de um sala de espelhos tomada por neblina, enquanto andava em um daqueles brinquedos de parque de diversão que giram sem parar! Exageros à parte, no fim, acabei pouco confiante no sermão que havia escrito e me senti ainda mais desafiado pela realidade de que eu realmente tinha que amar aqueles a quem pregava. Pensei na frase do pastor John Ames, personagem do romance Gilead, de Marilynne Robinson: “Os profetas amam as pessoas a quem disciplinam”. Eu me senti disciplinado.

Como pastores, enfrentamos um tremendo desafio hoje: como podemos pregar de forma eficaz em nosso momento conflituoso, muitas vezes para congregações divididas e polarizadas?

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Sermões que constroem pontes

No lugar em que sou pastor, há um rio de um quilômetro e meio de largura que corre pelo centro da cidade. Como temos várias pontes que atravessam esse rio, incorporamos uma das pontes mais icônicas ao logotipo da nossa igreja. Quando nossa congregação se sente dividida, e me deixa confuso sobre como proceder em um sermão, tento lembrar que a imagem é bem mais do que apenas um logotipo. Representa o chamado do pregador: edificar sobre a ponte que Cristo edificou para nós, a qual atravessa uma separação cuja largura é bem maior do que apenas um quilômetro e meio.

Compartilho a seguir algumas maneiras pelas quais fui ajudado na preparação e na pregação de sermões que buscam ser pontes para unir lados divididos em minha congregação:

Desenvolva uma equipe de pregação composta de rivais

Um livro famoso sobre a “equipe de rivais” de Abraham Lincoln fala das pessoas que este líder reunia ao seu redor — entre as quais havia aquelas antagônicas a ele —, a fim de fortalecer suas decisões e o país que estava dividido. Desenvolver um tipo semelhante de equipe tem sido uma das práticas mais importantes para melhorar a qualidade da pregação em nossa igreja.

Por muitos anos, tivemos uma pequena reunião regular para discutir nossos sermões. Mas o crescimento da igreja e mudanças na equipe pastoral criaram uma oportunidade para repensarmos o propósito das reuniões e quem seriam as melhorres pessoas para participar dessa equipe de discussão. Ao longo de vários anos, montamos uma equipe de nove pessoas: uma mescla de pessoas que trabalhavam na igreja, voluntários, homens e mulheres, jovens e idosos, pregadores experientes e pessoas que nunca farão uma pregação na vida. Somos todos muito diferentes, mas temos em comum o amor pela ortodoxia e o compromisso com a declaração de missão da nossa igreja.

Os membros da equipe de discussão recebem uma cópia do sermão quando chegam à igreja, nas manhãs de domingo, para ter um lugar fácil para fazer suas anotações. (E sim, às vezes eles até usam uma caneta vermelha literal, quando não metafórica.) Então, nós nos reunimos às segundas-feiras, ao meio-dia, para discutir o sermão do dia anterior e planejar o próximo.

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Eu não considero a “equipe de rivais” como algo no sentido de que qualquer um de nós sinta o desejo ser antagônico ou contrário. Mas é um grupo intencionalmente composto por diversas perspectivas, e o feedback sincero é incentivado. Juntos, trabalhamos pelo bem uns dos outros e da Palavra de Deus pregada entre o seu povo. Normalmente, discutimos o que correu bem no sermão e o que ficou confuso ou mesmo o que não foi útil. Tocamos em todas as principais questões sobre como compartilhar corretamente a Palavra, a clareza do evangelho, a qualidade das ilustrações e aplicações, bem como o tom, os gestos usados, os maneirismos e assim por diante. Às vezes também consideramos como diferentes grupos dentro de nossa igreja podem ouvir um tópico particularmente espinhoso ou sensível.

Por exemplo, recentemente uma passagem das Escrituras se prestou a comentários sobre raça. Um de nossos pastores associados estava pregando naquela semana e sentiu que suas observações poderiam ser controversas. Então, durante a preparação do sermão, ele buscou meu feedback, me chamando para repassar os pontos de sua aplicação. Talvez por causa de meus próprios pontos cegos ou talvez porque não ouvi com atenção suficiente, não fui capaz de antecipar o modo que suas palavras poderiam ser mal interpretadas por alguns em nossa igreja. Mas, pode ter certeza de que, quando discutimos o sermão, a equipe de pregação não deixou que nosso erro passasse despercebido.

Todos temos nossos pontos cegos. Ter uma “equipe de rivais” para discutir a pregação é como ter um sofisticado sistema de câmeras em seu carro, quando você estaciona de ré. A equipe me propicia a bênção de enxergar o que não consigo ver sozinho e, pouco a pouco, meus instintos de pregação vão sendo refinados, ao mesmo tempo em que minha perspectiva se amplia.

Do ponto de vista emocional, pode ser difícil estar preparado para receber o feedback de segunda-feira. Às vezes, recebê-lo exige de mim naquele momento mais humildade do que a que tenho para oferecer. Há semanas em que meu coração só quer ouvir “Você é um grande pregador”, e não “Você falou muito rápido na introdução”.

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Mas, por mais que me sinta infeliz, devo me lembrar que, embora doloroso, ampliar a consciência dos meus pontos cegos e ouvir diferentes perspectivas me torna um pregador melhor e faz de nossa igreja uma igreja melhor. Como diz o sábio ditado: “Quem fere por amor mostra lealdade, mas o inimigo multiplica beijos” (Provérbios 27.6).

Confie na pregação expositiva (e mantenha por perto uma lista dos tópicos mais divisivos da sua igreja)

Não sou contra sermões tópicos — na verdade, muitas vezes prego algumas séries de sermões tópicos a cada ano. Mas descobri que a prática de pregar regularmente séries expositivas de livros da Bíblia é algo mais útil em nossa era de divisões do que sermões tópicos. Há muitas razões para isso, mas uma em particular é que uma série de pregações expositivas sobre um livro da Bíblia requer menos explicação — ou menos justificativas, se você preferir — dos motivos pelos quais um pastor cobriu ou não determinado tópico.

Já no caso de uma série de sermões tópicos que um pastor ou a equipe pastoral tenha escolhido, implicitamente damos às pessoas da igreja a impressão de que achamos que precisam ouvir esses tópicos e precisam ouvi-los agora. Nossa avaliação pode ser correta, é claro, mas essa abordagem pode parecer mais confrontativa para os ouvintes do que o necessário.

As pessoas “têm ouvidos para ouvir” com mais frequência quando não sentem que o subtexto da série de sermões é “Não acho que vocês sejam muito bons nesse ponto, portanto, estou lhes dizendo isso agora”. Em contrapartida, aplicações do sermão são frequentemente recebidas com corações mais calorosos (especialmente no caso de questões controversas), quando as pessoas têm a sensação de que “Deus nos fez concentrar nesta passagem esta manhã, quando isso ou aquilo está acontecendo em nosso país; portanto, vamos discutir esse assunto.” Abordar assuntos controversos por meio da pregação expositiva (em vez de usar sermões tópicos) tende a neutralizar as polarizações, ao juntar ouvintes potencialmente divididos em um terreno comum, o amor pela Palavra.

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Há momentos, no entanto, em que, como pastores, queremos que nossas igrejas sintam o aguilhão. Por exemplo, no outono deste ano, fizemos uma das séries mais longas de sermões tópicos que já tivemos — voltada para o propósito e a beleza da igreja local. E sim, em certo sentido, estamos enfatizando que nossos líderes escolheram esta série temática, entre outras infinitas possibilidades, porque achamos que o povo da nossa igreja tem uma eclesiologia subdesenvolvida. (Pergunte-me no Natal como essa série se saiu.)

Algumas críticas à pregação expositiva são a percepção de uma falta de relevância e de imediatismo e a tendência de gravitar em torno de aplicações meramente pietistas (do tipo “leiam mais a Bíblia”, “orem mais”, “amem mais a Deus” e assim por diante). Certa vez, recebi um feedback de nossos presbíteros de que minha pregação tendia a não preparar nosso povo para o motivo pelo qual Deus inspirou as Escrituras: “para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2Timóteo 3.16-17). Preparar plenamente as pessoas para toda boa obra requer sermões que as preparem para mais do que apenas aquilo que elas possam fazer nas manhãs de domingo ou durante seus momentos devocionais privados.

Uma abordagem que me ajudou a mudar foi fazer uma lista por tópicos de pecados, dificuldades e dissensões que percebi entre nossas ovelhas. Digitei a lista e pedi a outros crentes e membros da equipe que fizessem seus acréscimos a ela. E consulto essa lista frequentemente, quando preparo um sermão.

Ter uma lista como essa em mente, durante a preparação de um sermão, não mudará a exegese do texto bíblico. Mas ter pronta a exegese adequada de sua audiência ajuda os pregadores a conectar as dificuldades particulares das pessoas da congregação com a graça particular de Deus. Eu não sou capaz de dizer quantas vezes esse tipo de pregação expositiva atenta à sua congregação e dela consciente me ajudou a abordar tópicos controversos do momento de uma maneira que os ouvintes pudessem recebê-los bem.

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Assuma posições controversas quando tiver um alto preço, não quando render aplausos

Quando me sinto compelido a virar a mesa, tento me lembrar que Cristo fazia isso muito raramente — e muitas vezes quando fez isso lhe custou um alto preço.

Confesso que me confunde, quando vejo pregadores assumirem uma postura “ousada” e “corajosa” sobre um assunto polêmico e a reação predominante de seus ouvintes é o aplauso. Em contraste, a ousadia de João Batista lhe rendeu o único púlpito que havia para ele: o deserto. A coragem de Cristo o levou à cruz.

O que realmente significa ser ousado? De que modo devemos considerar quando, como e por que assumir uma posição sobre uma questão difícil em um sermão?

Algo que me ajuda nessa reflexão é examinar o pastoreio que Jesus modelou nas cartas às igrejas de Apocalipse. O pastoreio é tremendamente específico para cada igreja e seu momento, tanto no que Jesus louva quanto no que ele desafia. A mesma igreja que ouve “Conheço as suas obras, seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus” também ouve “Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro amor” (Apocalipse 2.2,4).

Mais importante ainda, o desafio ousado e corajoso que a igreja em Éfeso recebeu foi paraeles e em prol deles. Jesus não disse: “Igreja de Éfeso, há uma igreja logo mais adiante da estrada, em Pérgamo, que está cometendo imoralidade sexual e se apegando a falsos ensinos”. Em vez disso, Jesus levantou aquelas questões com aquela igreja (Apocalipse 2.14-15).

Sendo claro, não estou dizendo que a maneira como escolhemos os montes certos para morrer é escolhendo apenas aqueles montes nos quais possamos realmente morrer. Como pregadores, seguimos o Espírito e a Palavra para onde quer que eles nos levem. Contudo, quando houver uma oportunidade de fazer uma aplicação intencional do sermão, devemos falar da aplicação que desafiará nossas congregações, e não daquela que alimentará suas paixões — e lembrando sempre que amar disciplinar pessoas não é o mesmo que amar as pessoas que você disciplina.

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Certamente, existe espaço para ajudar os membros da igreja a pensarem biblicamente sobre os males da sociedade; isso é uma parte do discipulado. Mas estou aprendendo que é relativamente fácil pregar sobre os pecados da cultura e daqueles que não são da minha congregação. Pode até ser inebriante. Em contraste, quando os membros da igreja ouvem a Palavra sendo pregada a eles, arrependem-se de seus pecados (e não dos pecados de seus próximos), e juntos creem novamente no evangelho, recebem a certeza do perdão de Deus e buscam o poder do Espírito para andar em novidade de vida, essas práticas regulares fazem da igreja uma igreja unida. Em nosso momento tão divisivo, tenho vivenciado a experiência de que membros que se arrependem e creem juntos permanecem juntos.

Descanse no poder da Palavra e do Espírito

Um amigo de nossa igreja era policial da cidade de Nova York, na década de 1980, época em que a taxa de criminalidade era extremamente alta. A taxa de homicídios, por exemplo, era quatro vezes maior do que a de hoje. Ele me contou que essa experiência sempre o lembrava de duas coisas: não apenas que ele tinha um papel a desempenhar na melhoria da cidade, mas também que ele poderia não ser a solução definitiva. Os problemas eram grandes demais para um policial só.

Presumo que, assim como as taxas de criminalidade em Nova York, a macrodivisão que os pastores sentem em nossas congregações irá fluir e refluir, por razões que estão completamente fora do controle de qualquer pastor ou de qualquer igreja isoladamente. Portanto, tento me lembrar dessas mesmas verdades. Nossos sermões têm um papel vital a desempenhar na edificação sobre a ponte do evangelho que Cristo edificou. Mas se, no processo de pregação, nos sentirmos como o apóstolo Paulo sentiu certa vez, — ao dizer “Mas, quem está à altura de tal tarefa?” (2Coríntios 2.16) —, devemos encontrar consolo onde Paulo encontrou: no fato de que nossa competência vem de Deus, que nos faz ministros de uma nova aliança. Pois o Espírito ainda vivifica, mesmo em nossa era de tantas divisões — e, talvez, especialmente nela.

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Benjamin Vrbicek é o pastor sênior da Community Evangelical Free Church, em Harrisburg, Pensilvânia, editor-chefe do ministério Gospel-Centered Discipleship e autor de vários livros.

Traduzido por Mariana Albuquerque

Editado por Marisa Lopes

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